segunda-feira, 19 de abril de 2010

Da inadimplência escolar. Perspectivas e soluções jurídicas (PARTE 02)

(CONT...)
Sugestões operacionais



Nesse azo, sugerimos algumas ações práticas, fruto da experiência ao longo de alguns anos dedicados ao tema, sobre as quais iremos discorrer nas linhas seguintes. Trata-se de uma sugestão de trabalho, calcada na obstinação por reduzir a problemática:

i.) especialização em cobrança: a inadimplência, considerada como desvio de um estado de normalidade, deve ser reprimida por profissionais destacados para a função, conhecedores dos aspectos legais, com sensibilidade e perspicácia para identificação de fatores pessoais que devam ou não ser levados em conta e, sobretudo, aptos a tomar decisões precisas, sem hesitar. O papel específico do(s) cobrador(es) é manter contato direto com cada responsável financeiro (consoante as normas legais estabelecidas para cobrança, especialmente o Código de Defesa do Consumidor), conhecer sua realidade, insistir e ser firme no trato do assunto, advertindo-o acerca das sanções contratuais possíveis. Portanto, sugerimos que haja na escola profissional(is) com perfil específico para acompanhar cada caso, focado(s) no objetivo de recuperar o crédito, infenso(s) a suscetibilidades fúteis e que interaja(m) regularmente com a direção financeira acerca do desenvolvimento de suas atividades, prestando contas e sendo avaliado.
ii.) estabelecimento de procedimentos programáticos: o descumprimento no pagamento da contraprestação escolar deve ser encarado como algo anormal, excepcional, inaceitável sob o ponto de vista do argumento. De modo prático, sugerimos que o boleto de cobrança enviado aos responsáveis financeiros tenha um prazo de validade, contendo a seguinte instrução: Sr. Caixa, não receber após tal data[1]. A finalidade de tal providência é desestimular a protelação. Como decorrência, no dia seguinte ao prazo assinalado no boleto, devem ser implementadas as sanções legais. Registre-se que não estimulamos convênios com Serviços de Proteção ao Crédito, em face do risco natural de se poder “olvidar” ou ocorrer alguma falha quanto a eventual cancelamento de restrições;
iii.) protesto: O protesto tem previsão na lei 9.494, de 10.09.1997. De acordo com o artigo 1º da referida legislação, art 1º protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. O contrato de prestação de serviços educacionais, firmado pelo devedor e por duas testemunhas é título executivo extrajudicial (Código de Processo Civil, art. 585, II), razão pela qual pode ser levado a protesto o valor correspondente à prestação impaga, fazendo prova perante o Tabelião de Protesto de Títulos, pois lhe compete na tutela dos interesses públicos e privados, a protocolização, a intimação, o acolhimento da devolução ou do aceite, o recebimento do pagamento, do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registrar o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidão relativas a todos os atos praticados na forma da Lei. Deve ser destacado que o protesto é um ato jurídico lícito, por óbvio e que não encontra complexos limites de tempo para seu apontamento, podendo ser efetivado logo após o vencimento de qualquer obrigação. Ouve-se dizer, infundadamente que, durante noventa dias não se poderia deflagrar qualquer procedimento objetivando a cobrança de valores vencidos, decorrentes de prestação educacional. Ousamos dizer que tal entendimento é equivocado e não tem base legal. Primeiramente, tem-se que a Lei 9.870/99 (Lei das Prestações Escolares) dispõe, no art. 5º, que os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual. Por hipótese, cogitemos que um determinado responsável financeiro deixe de pagar as prestações de novembro e dezembro do ano letivo e, sendo a matrícula escolar, segundo o calendário institucional, estabelecida também para o mês de dezembro. Indaga-se: estaria a escola impedida de cobrar o inadimplente porque ainda não transcorreram noventa dias de débito? Assim sendo, teria que aceitar o pedido de nova matrícula para o ano letivo seguinte, apenas para cumprir a noventena? Evidente que não. O que a legislação dispõe sobre noventa dias encontra assento no art. 6º da mencionada Lei 9.870, que assim reza: “São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.” É uma redação confusa, na esteira das aparentes incongruências da Lei 9.870/99;
iv.) execução judicial: A execução judicial do responsável financeiro é a medida cabível para obrigar a satisfação da obrigação contratual. De acordo com a legislação, a execução recai sobre o patrimônio do devedor (art 591: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.). São intocáveis os bens de família, inclusive o imóvel residencial[2]. Deve-se, pois, avaliar a relação custo x benefício, antes de se propor uma ação judicial, tendo em vista o retorno que se espera e a morosidade do Poder Judiciário.

A realidade demonstra que a implementação de procedimentos uniformes para com os clientes impontuais, tende a reverter, a médio prazo, a curva da inadimplência. É preciso plantar para colher, portanto.


Como evitar os custos de execução

Em certo sentido, o significativo valor das custas judiciais e os custos inerentes têm sido considerados como fator de desestímulo para o maior ajuizamento de ações de execução.

A fim de evitar a mobilização de recursos do capital de giro da instituição para suportar custas, mas garantindo-se o emprego da via judicial, propomos ainda uma alternativa importante e que pode ser uma ferramenta significativa para atenuar o impacto da inadimplência. Trata-se da homologação judicial do termo de composição de débito.

É importante que os acordos firmados com devedores sejam reduzidos a termo, isto é, lançados por escrito, assinado pelas partes e por duas testemunhas. Tais documentos podem ser levados ao Poder Judiciário para homologação, independentemente do valor envolvido na avença e o melhor, sem desembolsar com o pagamento de elevados valores de custas judiciais.

A Lei 9099/95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, ao dispor sobre as despesas processuais, define a gratuidade dos atos judiciais em primeira instância, nos termos seguintes:

art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Ainda de acordo com a referida lei (art.. 8º) não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

Define ainda o art. 8º § 1º:

Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas

Não obstante, diversamente dos litígios em que sobressaem interesses opostos, existe no direito o instituto da jurisdição voluntária, no qual não existem partes (contendores) mas interessados. Trata-se de uma importante via judicial, na qual se objetiva atender interesses determinados, de natureza eminentemente consensual ou caracterizados pela inexistência de litígios.

Assim, é que encontramos no ordenamento jurídico uma “saída” para evitar o dispêndio de custas, como a seguir explicitaremos.

Na aludida lei 9.099/95, podemos combinar as redações do art. 3º parágrafo 1º com o que dispõe o art. 57. Veja-se:

Art 3º
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I - dos seus julgados;

Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial.

Ora, se o acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, pode ser homologado perante o Juizado Especial e se este, por força do seu art. 3º parágrafo 1º, enseja que se possa executar os seus julgados (aí incluídas as sentenças homologatórias de acordo), naturalmente que a escola poderá compelir, eventualmente, o devedor que descumpra os termos do acordo firmado (e homologado) perante o Juizado. É importante ressalvar que não se faz necessário o comparecimento pessoal do Devedor e da Escola ao Juizado para homologação de acordo, podendo-se fazê-lo por simples petição conjunta.

Observe-se que a condução do acordo ao Poder Judiciário demonstra o propósito firme das partes em solucionar a questão e pode servir como importante fator de desestímulo ao descumprimento das obrigações assumidas.


Cadastros de restrição de crédito, como ferramenta de combate à inadimplência. Peculiaridades.


Os cadastros de restrição de crédito (SPCs, SERASA, SPCS etc) têm previsão legal. Já nos posicionamos acerca de nossas reservas ao estabelecimento de convênios com órgãos de restrição de crédito e a ela procuraremos ser fiéis.

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.


Trata-se de um sistema em que o estabelecimento convenente pactua com o banco de dados do consumidor o lançamento de informações acerca da impontualidade. Tais bancos de dados, disponibilizados para consultas, servem como desestímulo à inadimplência e um importante fator de proteção do crédito e dos que disponibilizam crédito no varejo, evitando que se contrate com pessoas habituadas ao não pagamento, como todos devem saber.

Somos de opinião que o protesto tirado contra o devedor, consoante já discorremos retro, é suficientemente desestimulante para quem precisa de crédito. Na verdade, o perfil da clientela da escola particular é predominantemente das classes média e baixa. Estas alicerçam o seu ímpeto de consumo na aquisição de bens por meio do crédito e do parcelamento (cartões de crédito, cheques pré-datados, carnês).

Assim, a lavratura de protesto é imediatamente captada por alguns órgãos de restrição de crédito, a exemplo da SERASA, por iniciativa própria desta, sem qualquer ingerência do credor que apenas exerceu o seu direito legal de levar ao Tabelião o registro da impontualidade.

O perfil negativado pelo protesto, lançado em todo o sistema financeiro e nas principais empresas que vendem a crédito, implica restrições para liberação de talões de cheques, impedimento para contratação de financiamentos bancários, óbice para contratação de determinados negócios etc. Enfim, o registro de protesto alcança, por via indireta, uma vantagem para a Escola que, não raro, será procurada pelo devedor, ávido por “limpar o seu nome”, o que somente será possível com o pagamento do débito.

Finalmente, deve ser enfatizado que o cancelamento do protesto é ônus do credor, salvo se diferentemente pactuado com o devedor por escrito.

Conclusão

A inadimplência é um fator intrínseco ao risco da atividade empresarial e que, embora inevitável, pode ser atenuado. Os estabelecimentos educacionais devem, primeiramente, implementar posicionamentos reacionários à cultura da inadimplência. Encontramos, no ordenamento jurídico, possibilidades razoáveis de inibir o descumprimento das obrigações contratualmente assumidas. Entretanto, somente com o envolvimento de pessoal especializado, aptos para o diálogo firme e maduro com a clientela e a determinação firme de empregar as vias permitidas pela lei, é que se poderá controlar a inadimplência, executar projetos adrede planejados e garantir, para a geração seguinte, a continuidade intitucional.

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